Hélder Mendes - Plastic Artist

O Artista

Biografia

Desde muito cedo Hélder Mendes mostrou a vocação para as artes. Depois dos primeiros desenhos ou obras miméticas, onde exercita a técnica, pelo controlo do desenho e na exploração dos óleos e do barro, o artista começa a explorar os materiais que o rodeiam. Um exploração em busca de identidade própria e do sentido do mundo que o rodeia. Imerso nos materiais da empresa familiar de mobiliário, vê, como artista que já é, outros sentidos e formas para além do uso utilitário e decorativo.

Começa, então, a dar outros usos ao rejeitado pela indústria de móveis. As texturas e formas da madeira conjugam-se, num jogo de organização espacial. Adquirem linguagens quando dispostas num novo código, onde dialogam com as tintas e outros materiais.

Ao longo dos anos Hélder Mendes tem vindo a escrever poesia com estes materiais. Interpreta a forma, discerne a composição propõe os sentidos. Desde muito cedo Hélder Mendes compreende este jogo da decisão, tentando encontrar num espaço disponível, aquele onde constrói a obra, a afirmação da sua vida.

Hélder Mendes - Plastic Artist
As obras de Hélder Mendes são a auto-descoberta do artista, mas são, sobretudo, um grito de liberdade, um impulso para a vida, tão violenta e dolorosa. O artista não tem de se cingir ao objeto planeado. Nos materiais disponíveis vê a liberdade e a vida que procurava. Vê uma nova linguagem, depois reconhecida em outros artistas e escolas de arte. E este é um momento de dupla auto-revelação: a da descoberta da linguagem identitária e a de saber-se compreendido! Não sendo original nos métodos, dá-se imediatamente o reconhecimento da obra no momento em que Hélder Mendes entra em contato próximo com renomados artistas, como os Mestres Carlos Lança, Artur Bual e Jaime Isidoro, e um assíduo convívio professores de arte e artistas já consagrados, como José Rodrigues, Zulmiro de Carvalho, Henrique Silva, etc.. Este convívio próximo com a comunidade artística, e o participar em grandes eventos e exposições, bem como em concursos, onde arrecada prémios e reconhecimento, funcionam, ao mesmo tempo, como provocação à criação e como garantia de um lugar próprio, onde evidencia a sua originalidade criativa.
A história de vida de Hélder Mendes, a interpretação do mundo, estão na obra que produz. Onde surgiu a dor, a fragilidade, a perda, a ruptura, Hélder Mendes colocou a força, a vitalidade, o grito de liberdade, o desejo da completude. Não se pode compreender a sua arte sem entender o mundo em que cresceu e as emoções que viveu e vive! Entre a condição de filho e de pai, o artista vive constantemente a ausência, a perda. Mas há sempre algo presente, a nascer, a recuperar da memória.
A biografia de Hélder Mendes está presente na obra que vem construindo. Na interpretação do quotidiano descobriu a linguagem apropriada para se libertar e para cumprir o desejo indomável de comunicar a paixão pela arte. E vai ser esse quotidiano a impor-se e a obrigá-lo a novas interpretações e narrativas. É uma obra em progresso, em constante pesquisa, à descoberta de desafios novos, intimamente ligada à vida e à pulsão pela liberdade.

Introdução

Insólita indagação pela matéria da vida
A arte de Hélder Mendes é uma experiência de indagação pelo mundo e pela vida. De tal forma se impõe a força e violência visual, que logo somos obrigados a questionar: como dialogam, nesta estética, a materialização da ideia e a prática do desejo?; qual o lugar para o desejo, na obra de arte de Hélder Mendes?; como se invoca os sentidos, a partir da experiência das texturas, na abstração das formas?, como se conjugam as emoções e a razão?

Criada para colmatar a falta, a perda, sobressai ao nosso olhar na obra de Hélder Mendes o desejo e a convulsão. Ao vazio e fragilidade responde com o exagero dos elementos. Como será difícil determinar o terminus de cada obra, na hipótese da obra artística ter um final. Aparece-nos o desejo em suspensão, a angústia pela resposta do observador. É esta pulsão do desejo, a procura em ocupar o que falta, entre o exagero e a ausência, o registo da comunicação que se apodera do artista, dominando-o.

Ao contrário do que seria supor, Hélder Mendes não aproveita o lixo, o desperdício, o rejeitado. É a matéria informe, disponível, a aproveitar-se do desejo de Hélder Mendes. São as texturas, as cores, as variadas e inseguras formas, a provocar o artista, a delinear a expressão da mensagem, o sentido artístico. A assemblage, que alguém diz ser uma “estética da acumulação”, liberta o artista da superfície para a tridimensionalidade. Entre a pintura e a escultura, traz o objeto quotidiano para a arte, o comum para a excepção. Construir a obra de arte, a escultura, dar um lugar às partes constituintes, assumir o todo e a singularidade das partes, confere ao artista o papel de demiurgo de mundos outros, possíveis, sem fronteiras. Hélder Mendes faz de cada obra esse mundo possível de emoções, mas também de racionalidades, entre a arte do improviso e a de uma relojoaria fina, precisa, onde o todo só funciona na justa localização de cada peça.
A arte mantém o mesmo desígnio desde que o homem pintou as grutas do paleolítico: colmatar a fenda aberta do sentido do mundo; elevar o discurso do humano; transportar-nos para mundos que desconhecemos, ou seja, uma verdadeira ‘religio’. A arte coneta-nos a lugares existentes para além do real experimentado. Ela tanto cria como expressa o mundo do desejo. A arte tem tudo a ver com a verdade! Talvez o único espaço onde se pode experimentar e comunicar a verdade, porque a única expressão universal ao humano. E a verdade é sempre expressa em pergunta; nunca se oferece a uma contemplação estática, mas a um desejo para o conhecimento, obrigando a pensar. Haverá nesta verdade a presença da virtude? Toda a injustiça, segundo Platão, só pode ser ultrapassada pela virtude educativa do sofrimento. A experiência da dor, educa-nos, paradoxalmente, para a superação da injustiça do mundo, da vida.
Cada obra de Hélder Mendes convida-nos a participar da pulsão para a busca de uma inteligibilidade da vida e da liberdade. Os materiais conjugam-se, sobrepõem-se, negoceiam cada lugar, entre camadas e ordens de cor, num código a descobrir. Cada obra é como um corpo, composto por diferentes órgãos, em diversas camadas, umas visíveis, outras escondidas, mas presentes e ativas. A ossatura espalma-se, entre as estruturas materiais. Ao fruidor da arte, esse corpo mostra-se combinado, ocultando e desvelando, mas com racionalidade.
A fuga à representação não é uma fuga à racionalidade, como propõe G. Deleuze com a ‘lógica da sensação’, abordando a obra de Francis Bacon. Hélder Mendes não pinta a sensação (aquilo que Deleuze definiu como ‘passar de uma ordem a outra, de um nível a outro, de um domínio a outro’). O corpo não se revela em representações espasmódicas, nos limites da competência orgânica. O corpo insinua-se, nas esculturas de Hélder Mendes, entre os materiais, compondo-se neles e a partir deles. Supondo-os, não é um corpo sem órgãos, dada a fragilidade do corpo não precisar dessa sensação de corpo total para ter a vitalidade esperada.
Cada obra de Hélder Mendes é um corpo em performance, vivo, dialogante. E, como todos os corpos, precisa do amor do outro!