A arte de Hélder Mendes é uma experiência de indagação pelo mundo e pela vida. De tal forma se impõe a força e violência visual, que logo somos obrigados a questionar: como dialogam, nesta estética, a materialização da ideia e a prática do desejo?; qual o lugar para o desejo, na obra de arte de Hélder Mendes?; como se invoca os sentidos, a partir da experiência das texturas, na abstração das formas?, como se conjugam as emoções e a razão?
Ao contrário do que seria supor, Hélder Mendes não aproveita o lixo, o desperdício, o rejeitado. É a matéria informe, disponível, a aproveitar-se do desejo de Hélder Mendes. São as texturas, as cores, as variadas e inseguras formas, a provocar o artista, a delinear a expressão da mensagem, o sentido artístico. A assemblage, que alguém diz ser uma “estética da acumulação”, liberta o artista da superfície para a tridimensionalidade. Entre a pintura e a escultura, traz o objeto quotidiano para a arte, o comum para a excepção. Construir a obra de arte, a escultura, dar um lugar às partes constituintes, assumir o todo e a singularidade das partes, confere ao artista o papel de demiurgo de mundos outros, possíveis, sem fronteiras. Hélder Mendes faz de cada obra esse mundo possível de emoções, mas também de racionalidades, entre a arte do improviso e a de uma relojoaria fina, precisa, onde o todo só funciona na justa localização de cada peça.
A arte mantém o mesmo desígnio desde que o homem pintou as grutas do paleolítico: colmatar a fenda aberta do sentido do mundo; elevar o discurso do humano; transportar-nos para mundos que desconhecemos, ou seja, uma verdadeira ‘religio’. A arte coneta-nos a lugares existentes para além do real experimentado. Ela tanto cria como expressa o mundo do desejo. A arte tem tudo a ver com a verdade! Talvez o único espaço onde se pode experimentar e comunicar a verdade, porque a única expressão universal ao humano. E a verdade é sempre expressa em pergunta; nunca se oferece a uma contemplação estática, mas a um desejo para o conhecimento, obrigando a pensar. Haverá nesta verdade a presença da virtude? Toda a injustiça, segundo Platão, só pode ser ultrapassada pela virtude educativa do sofrimento. A experiência da dor, educa-nos, paradoxalmente, para a superação da injustiça do mundo, da vida.
Cada obra de Hélder Mendes convida-nos a participar da pulsão para a busca de uma inteligibilidade da vida e da liberdade. Os materiais conjugam-se, sobrepõem-se, negoceiam cada lugar, entre camadas e ordens de cor, num código a descobrir. Cada obra é como um corpo, composto por diferentes órgãos, em diversas camadas, umas visíveis, outras escondidas, mas presentes e ativas. A ossatura espalma-se, entre as estruturas materiais. Ao fruidor da arte, esse corpo mostra-se combinado, ocultando e desvelando, mas com racionalidade.
A fuga à representação não é uma fuga à racionalidade, como propõe G. Deleuze com a ‘lógica da sensação’, abordando a obra de Francis Bacon. Hélder Mendes não pinta a sensação (aquilo que Deleuze definiu como ‘passar de uma ordem a outra, de um nível a outro, de um domínio a outro’). O corpo não se revela em representações espasmódicas, nos limites da competência orgânica. O corpo insinua-se, nas esculturas de Hélder Mendes, entre os materiais, compondo-se neles e a partir deles. Supondo-os, não é um corpo sem órgãos, dada a fragilidade do corpo não precisar dessa sensação de corpo total para ter a vitalidade esperada.
Cada obra de Hélder Mendes é um corpo em performance, vivo, dialogante. E, como todos os corpos, precisa do amor do outro!